sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Amigos nas Américas: de Manhattan ao Open do Canadá. (1/3)


Já o poeta dizia qualquer coisa como "O Josh manda, o escriba quer, o post nasce". Depois de ter encomendado a dança APAXE da vitória (quem viu a dele ainda hoje se lembra da sua extraordinária coordenação motora), o mais-Apaxe-de-todos-os-Apaxes, cioso de pormenores sobre o desempenho da Cláudia - afinal ele foi um dos seus parceiros de treino mais habituais nos jogos por correspondência (tal como o Tito, o Afonso e o Jaime) -, lá concluiu que o Open do Canadá "merece uma crónica". Recado recebido, vamos a ela, directamente do A-310 da Air Transat que faz a ligação semanal Montreal-Lisboa-Porto, tal como prometido ao Senhor Machado!
Começando pelo princípio, a ideia de jogar um torneio no Canadá surgiu no Verão do ano passado. Em Agosto de 2013, eu, a Cláudia, a Sara e a Lurdes fomos visitar o Vasco e o Luís a Montreal onde nos apercebemos do potencial xadrezístico da cidade. Além de ser a localidade onde, de acordo com o site do echecsmontreal.ca, seis do seu milhão e meio de habitantes são Grandes Mestres de xadrez (e onde nasceu o nosso conhecido GM Kevin Spraggett que vive(u?) em Portugal), a ligação da cidade ao jogo é visível, por exemplo, em diversas lojas e cafés que dão grande destaque à modalidade.


Apesar de termos visto vários torneios anunciados, como o Open do Québec, nenhum deles se encaixava no nosso calendário de férias. Ainda assim, demos uns xeques na Boutique Stratégic e no Café Pi e, numa visita de fim de semana a Manhattan, a tribo apaxe juntou-se ao New York City Chess Meetup Group e recolheu o escalpe de um nova-iorquino na Trump Tower, técnica que este ano aplicámos a outros estado-unidenses no Open do Canadá.


Avançando para chegar ao que interessa, este ano a marcação das férias foi ligeiramente adaptada de modo a que a visita à tribo canadiana dos apaxes pudesse incluir a participação num torneio. Pela sua calendarização, organização e dimensão, o Open do Canadá foi a prova escolhida: os oito dias de prova lá se encaixaram nos nossos dias de férias; o local de jogo seria no Grand Salon do Fairmont Queen Elizabeth, um hotel de cinco estrelas situado na baixa de Montreal, a cerca de 5 kms do acampamento apaxe; o Open estava dividido em 5 secções, dos sub-1300 aos 2400+, passando pelos sub-2000, o que significava a possibilidade de cada um nós disputar 9 partidas equilibradas; finalmente, este ano o Open do Canadá incorporou o Open do Québec, estando em jogo $25.000, distribuídos por todas as secções e em várias categorias, como melhor sub-1900, melhor jogador sem elo (ranking do xadrez) ou melhor jogadora, o que sempre cria a ilusão de ser possível juntar o útil ao agradável!


Conhecedores do modus operandi da tribo apaxe do Minho, o Vasco e o Luís elevaram a fasquia organizacional para níveis nunca antes sonhados por uma delegação apaxe. Assumindo a pasta da logística, asseguraram um vôo directo (o ano passado, a passagem por Casablanca foi caricata...), a melhor estadia, uma excelente preparação física e psicológica, e uma extraordinária adaptação gastronómica, onde não faltou vinho americano (das Américas, não do nosso proibido!, um dos quais não ficava atrás do Conventual, a bebida energética oficial dos nossos estágios para as provas da Associação de Xadrez de Braga) e a introdução à poutine, uma espécie de batata frita com todos a fazer lembrar as francesinhas da Taberna Belga e de Dume.


Face a este exemplo da tribo do Canadá, umas semanas antes do Open tratámos de fazer uma preparação técnica muito profissional (no critério apaxe, para que não haja enganos). A Cláudia passou a jogar por correspondência com apaxes e não só, por vezes comentando as posições comigo e, não uma, não duas, mas três vezes por semana, em média, resolvia três problemas tácticos! Eu tirei o pó a dois ou três livros da estante, inscrevi-me em dois torneios por correspondência e passei a leitor diário do blog do GM Spraggett («Canada's Top Chess Website»), onde tentava fazer os 5-seconds tactics do dia (às vezes em 5 minutos, outras sem sucesso algum), além de me ir familiarizando com os quiproquós e o who's who do xadrez canadiano (e não só, "vocês sabem do que eu estou a falar", embora tenha logo reconhecido o GM Sambuev quando me cruzei com ele).

Outro exemplo do profissionalismo do Luís, aqui na preparação do acampamento apaxe de Loulé.
Antes do início do torneio, as expectativas na comitiva apaxe iam no sentido de a Cláudia (com o Luís como segundo) lutar pela melhor classificação de um jogador sem elo nos sub-1300 (havia 16 xadrezistas sem presença nos rankings FIDE, CFC, FQE e USCF entre os 72 que se inscreveram nesta secção) e, eventualmente pelo de melhor jogadora, apesar de ela sempre ter dito que a sua meta eram os 3,5 pontos.
Já eu, com o acompanhamento do Vasco, tentaria bater-me pelo lugar de melhor sub-1900, uma vez que era o jogador mais cotado nesta categoria na secção sub-2000 e o 21.º do ranking inicial entre os 98 participantes, isto apesar de esta época só ter jogado uma partida em ritmo clássico, no último fim de semana do Campeonato Nacional da 3.ª Divisão, prova em que a equipa do Grupo Desportivo e Recreativo Amigos de Urgeses conseguiu a subida à 2.ª Divisão nacional que se disputará em 2014/2015, depois de ter vencido a série A em igualdade pontual com o segundo classificado.


Chegados ao local do jogo, o choque de realidades foi devidamente amparado pelo nosso staff técnico: o Luís acompanhou a Cláudia, mesmo no tabuleiro, até ao início da partida, e o Vasco foi o meu tradutor pessoal - em Montreal fala-se francês e inglês indistintamente, por vezes na mesma frase, mas o francês do Québec só por mera coincidência é perceptível a quem apenas domina o básico do europeu... e no Canadá, jogador das brancas que não leve o relógio e esteja nos tabuleiros dos GM especiais (os Grandes Morcões, não confundir com os Mestres), corre o risco de ter que alugar um à organização do torneio ($5, no caso).

Selfie da comitiva apaxe antes do início da primeira jornada.

A primeira jornada confirmou as expectativas iniciais. O Luís e a Cláudia começaram por assustar o adversário (um menino romeno de não mais de 10 anos acompanhado pela avó) com uma longa mas comum frase de circunstância apaxe que remonta há muitos séculos atrás, quando os nossos antepassados tribais comunicavam numa fórmula mais próxima do latim e que actualmente se mantém foneticamente semelhante em português e romeno. É ela a seguinte:

"Com um quilo de carne de vaca e um litro de vinho não se morre de fome!"
 
Descrentes? Podem experimentar à vontade! O GM Mircea Parligras (que está na Noruega para disputar as Olimpíadas de xadrez integrado na selecção romena e que já se disponibilizou a tentar jogar pela nossa equipa urgez'apaxe quando a gente tiver nível para participar numa competição decente), confirma!

Espírito Apaxe na elite do xadrez mundial. Temos que contratar este jogador!
Com o miúdo com certeza ainda a pensar no que lhe pareceu ter ouvido, a Cláudia fez uma grande partida que encheu de confiança a comitiva apaxe - tribo canadiana, como se pode ver pela bandeira que a organização nos atribuiu e que demonstra que o trabalho de adaptação dos apaxes louletanos efectuado pelo nosso staff técnico foi vraiment exceptionnel!

Jogadores intercontinentais com número na federação canadiana (ou do Québec?)
A partida glosou o mote, tendo incluído o sacrifício de um quilo de carne de peão ao 15.º lance que foi fundamental para preparar o barbecue - instrumento muito utilizado nos terraços de Montreal - que criou a possibilidade de concretizar um penalti de um litro de vinho à 21.ª jogada: Cxe6 merece um ponto de exclamação, embora o teor alcoólico da jogada não tenha permitido aproveitar da melhor maneira a resposta das negras. Ora vejam lá:

Play chess online

Enquanto a Cláudia espalhava magia na Secção E, na C eu também explorava a minha condição apaxe, só que em vez de avançar com a faca nos dentes e pintura de guerra, dei ampla liberdade à minha falta de tabuleiro, preguiça e incapacidade de cálculo para experimentar o que o Luís sentiu depois de três viagens consecutivas na La Ronde, o parque de diversões de Montreal.


Para vosso divertimento pessoal, eis a chacina - e em miniatura! - que este vosso GM Grande Morcão sofreu por ter pensado (!verdade!) que não podia proteger o Rei, fazendo roque, no 8.º lance (ah e tal, Cg5, Db3 ou Bc4 e levo duplo em f7... alucinação que demonstra bem a qualidade da preparação e a forma com que cheguei ao torneio).
Play chess online

Continua para a semana com o brutal trabalho de recuperação psicológica do nosso staff!
E para que fiquem com a pulga atrás da orelha, para 2015, ano em que Loulé será cidade europeia do desporto, o staff apaxe disponibilizou-se a marcar as passagens aéreas Porto-Faro no caso de os apaxes minhotos quererem participar em alguma iniciativa algarvia.