Já lá vai algum tempo, mas até podia ter sido ontem, porque tal como agora, na altura a noite também estava quente, mas não estava de férias, e portanto podia mesmo era ter sido agora, mas não foi…
De férias em Portugal, Bréno Barbosa, ou Bréno como se apresentou e quis ser tratado, um “cara” lá dos lados do Recife, contactou-nos porque queria comprar um relógio, um DGT2010.
Estava em Portugal de férias, mais propriamente em V.N. de Famalicão, e além do relógio, perguntou se costumava estar alguém em Urgezes para jogar umas partidas de xadrez. Sempre, não estamos, por norma só às 6ªs- feiras, mas o convite estava feito, o desafio estava lançado, e de imediato reunimos uma seleção dos nossos jogadores, tentando que a mesma fosse o mais diversificada possível. Afinal ninguém conhecia o Bréno, nem sabia o que ele jogava. Fomos pelo seguro, Eduardo Viana do escalão de veteranos, Orphe Bolhari dos seniores e eu, Joaquim Machado, escolhido como atleta dos subs, senão pela idade, pelo aspeto, ou se calhar pela força de jogo (ninguém disse, mas desconfiei).
O Fernando Costa e o Jorge Rasteiro, também compareceram, para tomar um café e conversar um pouco todos estão sempre prontos, a companhia é agradável e o convívio apetece sempre. Mas era dia de semana, e o Bréno não havia maneira de aparecer, estava de férias, e o tempo para ele não corria da mesma maneira que para nós, é assim o tempo, é o mesmo para todos, mas desigual para cada um. De férias e sem necessidade de levantar cedo no dia seguinte, o Bréno, tinha tempo, para nós o tempo corria. Sempre achei curiosa esta questão do tempo. Penso muitas vezes nos jogos de xadrez. Um desporto sem grandes movimentações, e no qual um jogo dura em média entre 3 e 4 horas. Mas passam depressa, quase nem se dá por isso. E são 3 ou 4 horas, uma noite ou uma tarde inteira, com 2 atletas à volta de um tabuleiro, e nem se dá pelo tempo passar. É o tempo.
Por fim o Bréno chegou, Brasileiro “de gema”, e com ar de quem estava a saborear o “tempo” perdido, sem nada para fazer. Feitas as apresentações, cedo nos apercebemos da humildade e boa vontade do Bréno, boa gente por assim se dizer… Irradiava a simpatia característica do “pessoal” do Brasil, aquele jeito de ser… Conversamos um bocado, o Bréno tratou do seu negócio, que foi um relógio que ali o trouxe, para depois irmos ao que interessava.
O tabuleiro. Ou melhor, os tabuleiros, já estavam montados e só faltava mesmo era começar a mexer as peças.
Lançamos o Eduardo Viana para testar o homem, porque lançar-me logo a mim ou ao Bolhari, não era por certo a melhor forma de receber quem nos visita.
Dois, três, quatro lances, e já sabíamos que tínhamos ali jogador, o Bréno sabia como mexer as peças e sabia onde as colocar, a noite prometia, e eu ansiava já pela minha vez. O Eduardo Viana bateu-se bem e foi um digno representante das cores do seu País, já não recordo muito bem os resultados das partidas, mas sei que foram boas, de qualidade, e que o Viana vinha sorridente no final.
E a minha vez chegou, alguns jogos depois, que a qualidade imperava, e eu limitava-me a observar. Mas a minha vez também chegou e fui cheio de força e coragem para o tabuleiro. Um jogo bonito e interessante, com uma “inovação” minha na abertura, logo ao 3º ou 4º lance, se calhar até foi ao 2º, no 1º sei que não foi, porque joguei E4 e sei que isso se joga.
Mas consegui surpreender, e por algum tempo o Bréno ficou ali parado olhando o tabuleiro e sem saber muito bem o que fazer. Porque era o visitado e pelo respeito para com o visitante, lá fui dizendo que que era um bocadinho parecido com o Fischer, e também não gostava das aberturas, aí o Bréno entendeu, e recomeçou a jogar, com outra confiança, notou-se, foi evidente, até porque como ele disse, nessa noite Fischer era o Bolhari, com os sacrifícios que fazia, e fez muitos, penso até que abusou um bocado, estava imparável o Orphe, e “dava” peças pelo tabuleiro todo, eu e o Viana observávamos com prazer o que se ia passando naquela mesa, mas o Bréno aguentava-se bem, muito bem.
Deixo aqui uma nota para os colegas lá dos lados do Recife, o Bréno não está federado, nem a jogar por clube nenhum. Segundo ele, já não joga desde que deixou a faculdade, e segundo ele, já lá vão alguns anos. Mas xadrez é como andar de bicicleta…Incrível isso aí, mas eu se fosse a vocês ia busca-lo já já, acreditem que vai valer a pena.
Bom, continuando que estávamos na minha partida, e passada aquela fase da abertura, em que consegui surpreender, o jogo ia-se desenrolando, e as “ods” iam favorecendo claramente o Bréno, mas eu ia-me aguentando. Sorte a dele que não havia ali por perto nenhum bilhar, pensava eu, que se houvesse a história seria outra, muito diferente, ou não, nunca se sabe. Não pensem que estou a divagar, o xadrez e o bilhar são mais parecidos que o que parece. Em ambos o jogador tem sempre que analisar muito bem, o tabuleiro no xadrez, ou a mesa no bilhar, em ambos o jogador tem de pensar sempre no lance seguinte, não adianta jogar uma peça se o ato não tiver consequência, ou meter uma bola e depois passar o jogo ao adversário, é derrota pela certa. e no bilhar, como no xadrez, cada jogador tem as suas peças/bolas, brancas ou pretas no xadrez, e as pequenas ou grandes no bilhar, ou as de uma cor e duas cores, se preferirem, mas só tem um “rei” o bilhar, a bola preta, objectivo de “mate” dos dois jogadores. Também no bilhar, o jogador só escolhe a série, ou a “cor” das bolas a que vai jogar, depois da primeira tacada, ou depois de embolsar uma bola, aqui é um pouco diferente do xadrez. E não tem tempo definido para jogar, mas devia ter, claro que devia ter, quantas vezes um jogador fica ali, parado a pensar na tacada, um tempo que parece infinito (lá está o problema do tempo mais uma vez, para quem está a pensar no que vai fazer, passa depressa, para o outro…), devia ter um relógio, igual ao do xadrez, com um tempo determinado para cada um, e assim o tempo já seria igual para os dois, embora pudesse passar de maneira diferente para cada um, e dessa forma, com o uso de um relógio, o xadrez e o bilhar seriam ainda mais parecidos. O bilhar tem uma pequena vantagem, no máximo é mate em 8.
Aqui fica um pequeno exemplo daquilo que estou aqui a contar.Um jogo de bilhar, em que se pode ao fundo ver o tabuleiro de xadrez. Os dois jogos sem relógio, neste caso, que o tempo era outro que não o da noite do encontro de xadrez, nesta, o tempo era muito, e a noite prolongou-se. Também não foi um Portugal x Brasil, foi mais um Braga x Guimarães, e a história desta noite dava para uma crónica por si só, mas não é o caso, foi apenas um exemplo.
Adiante, que estava a jogar a xadrez, embora a pensar no bilhar. Um erro fatal que o adversário não era para brincadeiras, e a consequência da minha breve e ligeira desconcentração foi a derrota, sem apelo nem agravo, “pimba” “toma lá” Machado, vais levar um mate bonito e daqueles a que não se consegue fugir. É sempre assim, quem me conhece já sabe como eu sou, aguento-me bem, até faço uns lances interessantes, mas mais tarde ou mais cedo lá vai a peça que tanta falta me há-de fazer, e depois, bom depois, resta aquele cumprimento, com o sorriso do mais amarelo que há… parabéns…, bom jogo…
Mas o Bréno também estava empolgado e queria mesmo era jogar. O Viana voltou ao tabuleiro, já mais avisado e não me recordando bem do jogo, penso que conseguiu um empate, que não dava para mais, e a noite terminou num confronto entre o Bréno e o Orphe, que se fosse hoje, em tempo de férias, se calhar ainda lá estávamos…
O Bréno queria ganhar, mas o Orphe não deixava, estava possuído o homem, dava aos 2, 3 peões na abertura, e depois o Bréno, dizia “… pois, agora seu jogo tá todo aberto…”, pois estava e o Orphe ia todo para o ataque, mas o Bréno não se ficava e defendia com tudo o que tinha, mais um empate…
No final, ficamos ainda um pouco cá fora a conversar, já tarde, mas sem termos dado conta de como o “tempo” correu. O Bréno é médico, e nos contou da influencia que o xadrez teve na sua vida. “…foi o xadrez que me trouxe aqui…” frase que recordo com agrado, e “…muito do que sou, eu o devo ao xadrez…”, lindo de ouvir, num contexto em que falávamos do xadrez e dos jovens, do xadrez e da escola. O Brasil, todos o sabemos está muitos anos à nossa frente no desenvolvimento e aplicação do xadrez como ferramenta de trabalho para os estudantes, não é só o Brasil diga-se, ou melhor devemos dizer é que Portugal…. , não, não vale a pena, temos de ter fé, a nossa vez há-de chegar.
Para concluir, que o texto já vai longo, não faz mal, agora estou de férias, e “tempo” é o que mais tenho, e depois também aqueles que se derem ao trabalho de lerem tudo isto até ao fim, é porque estão como eu, com “tempo” de sobra e sem mais nada para fazer. Que fixe… é só uma vez por ano, mas vale bem a espera… adiante, não nos despedimos sem o Bréno nos convidar para o visitarmos lá no Recife, “…têm a porta aberta para quando quiserem aparecer por lá…” , bom por mim ia já hoje, mas é melhor deixar para depois .
Obrigado Bréno, por aquele pequeno momento, pequeno demais para a memoria que deixou (lá está o pormenor do tempo), e quem sabe um dia a gente aparece mesmo por aí, levamos o tabuleiro, relógio não vai ser preciso, e quando formos a gente vai com tempo, muito tempo. Já você se cá voltar, marque logo uma visita na sua agenda, a gente fica à espera, reserve uma 6ª-feira de preferência.
Foi um prazer, obrigado pela visita, espero que tenhamos sabido receber. até uma próxima…
Se entretanto houver mais alguém que por estes dias “ande por aqui”, aproveite, ligue, ou mande um email, e desafie, que a gente aparece na hora.
3 comentários:
Uma noite bem interessante! :)
Ficamos a aguardar um aprofundamento da comparação xadrez/bilhar.
Um grande abraço e boas férias.
Bréno Barbosa, jogador espetacular, fantástico! 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻
Exímio enxadrista, tanto no tabuleiro quanto na arte da vida 👏😘 !
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