quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Amigos em Faro: 4 sessões, 4 sacrifícios e 3 derrotas (para a próxima não mandem um urgez'apaxe!)


Depois da estreia colectiva no Distrital de Braga, no domingo arrisquei vestir a camisola dos Amigos num torneio de semi-rápidas, em Faro.
Os resultados foram tão bons que já ando à procura de outro clube, pois foi logo uma evidência para mim que quando isto se soubesse na Capital Europeia da Cultura, os meus dias em Urgezes estariam contados. Ainda por cima com este "blogjacking"... Cláudia, Jaime, Jorge, Ricardo (enas, tantos verdinhos!) pareço o Sporting, também não chego ao Natal! Só não sei se consigo enganar outros dirigentes e é por estas e por outras que não é mau a gente ter o nosso próprio clube…
Para abrir o apetite posso adiantar que fiquei em 9.º lugar entre 12 participantes (bem, na verdade só éramos 10, pois dois dos inscritos não apareceram), e que fiz 2 pontos em 5 (quer dizer, 1 em 4, porque o primeiro foi por falta de comparência…). Uma vez Apaxe, sempre Apaxe, que há coisas que não se mudam com uma mera filiação administrativa (e ainda não paga, Senhor Machado!)!

Tudo começou há quinze dias, no facebook, na página da AXAL – Academia de Xadrez do Algarve, onde, em comentário à classificação aí divulgada do IV Memorial João Vasco que se jogou em Portimão há umas semanas, fiquei a saber que no domingo seguinte haveria um torneio de semi-rápidas em Faro. As informações encontrei-as no blog daquela academia: tratava-se de um torneio englobado no VI Festival de Xadrez da Conceição de Faro, em ritmo de 0:15+2”, o que não me pareceu mal para o jogador sem ritmo que estou. A primeira pequena aventura foi colocar no Google Maps a designação “Junta de Freguesia da Conceição de Faro” e ser surpreendido com um alfinete em...


Ver mapa maior Albufeira!

SMS para aqui, SMS para ali (afinal é em Faro ou é em Albufeira?), e o Carlos Sousa, o responsável pela organização, lá me respondeu que era na "Conceição de Faro, junto ao largo da igreja", o que, dadas as circunstâncias, não me pareceu muito decisivo. Mas como o clube organizador era a Associação Desportiva e Cultural de Faro, pus as fichas todas na capital de distrito e, convicto, disse para o taxista: “É para a junta de freguesia de Conceição de Faro, se faz favor.” Responde ele: “E sabe onde fica?” “Perfeitamente!”, pensei eu… Lá lhe disse que nem por isso, e o senhor saiu do táxi para auscultar os colegas na postura, debalde que ninguém sabia!, mas fizemo-nos à estrada que, na pior das hipóteses, era um passeio que se dava. Durante a viagem lá lhe confesso a minha inquietação, que não sabia se a Conceição de Faro era em Faro ou em Albufeira, e ele diz-me que a de Albufeira não conhece, mas que também há uma em Tavira e outra em Loulé. A coisa prometia…

A verdade é que bastou uma pergunta numa tasquita já perto da entrada da freguesia e não teve nada que enganar. Quiçá consequência de agora representar um clube sério, cheguei antes da hora e tudo! Lá dentro, uma cara conhecida (a do organizador, afinal sabia quem ele era, o nome é que nada me dizia), uma que não me era estranha (era o João Pacheco que joga nos bancários e que conhece bem o meu tio Joaquim Brandão de Pinho, a quem manda cumprimentos e que eu espero que lá cheguem, por esta via) e várias que não conhecia, cada qual com o seu sotaque (Alexander Savotsky, russo da equipa da casa, os alemães Dietmar Poppe e Falk Stephan, e até uma conterrânea, Fátima Teixeira, colega de equipa dos germânicos no Grupo Desportivo Relíquias, de Odemira).

Chegado ao local de jogo encontro a conversa no Minho. Que o Luís Silva é o novo campeão nacional em ritmo semi-rápido. “Quem?”, perguntavam os desatentos. O Luís Silva, digo eu muito conhecedor (claro, o campeão-antes-de-o-ser-já-o-era e eu bem sabia, que me fartei de levar tareias do Mestre nos últimos dois anos e sempre a repetir "só conheci outro do género deste, o Jorgievsky…" [adenda: há outro da mesma massa - o André Ventura Sousa, do GX Porto]), é de Famalicão, em Braga. Alguns ficaram desconfiados, mas o nome da Didáxis, com tanta malta a distribuir fruta e a roubar pontos, é conhecido cá em baixo, e sim, já quase todos fazem uma ideia de quem são os fortes subs do Minho que é malta solidária para dar xeques e mates a jogadores de todo o lado, em qualquer altura e em qualquer lugar. Do Minho, a conversa passou para o 5LB que o João Pacheco estava em estreia na representação da recém-criada secção de xadrez do clube mais emblemático da zona de Benfica, equipa que tem como cabeça de cartaz o GM António Fernandes e que conta com outro bancário do Sindicato do Sul e Ilhas, o Micael Santos – Quim, esta também fiquei de ta dizer, espero que a leias com atenção que está aqui para ti.

Conversa daqui, conversa dali, o costume, e sai o emparceiramento. Jogo de pretas na mesa 3 e lá vou eu para a arena. Ainda não tinha bebido café mas, mesmo assim, Apaxe que é Apaxe joga sempre para o escalpe. Décimo segundo lance, o primeiro sacrifício-suicídio da tarde! Bonito bonito foi o contra-sacrifício do meu adversário (uma constante hoje) e, sem conseguir resistir a avançar o peão de F (é uma mania que se auto-adjectiva: F! de Furada, claro!), fico tão mal, tão mal, tão mal, que ao 18.º lance jogo a6, em vez de abandonar, para permitir que o meu adversário dê mate em h7. Mas melhor que ler, é ver, que é miniatura e até deve dar para uns sorrisos:

Na segunda jornada ganhei por falta de comparência. Um em dois! "É uma espécie de Gambito Sobremesa", penso. Havia esperança no Urges’Apaxe!
Por pouco tempo...
Logo na terceira sessão, jogo de brancas com o Dietmar Poppe, do Relíquias de Odemira. Abro com o peão de F, claro, a abertura corre bem, no meio-jogo começo por ser entalado pelo avanço convicto dos peões da ala de Dama do meu adversário, mas tiro um Cavalo da cartola que logo ponho a trote, ganho a iniciativa e tento aproveitar o facto de o meu oponente ter demorado a rocar. Ele tem um peão fraco, isolado em e4, mas eu, com pressa, em vez de solidificar a posição e exercer pressão, troco-o pelo atrasado meu que guardo em c3, com a alegria de ficar com as torres dobradas na coluna… F, claro, acertaram… prontas para um sacrifício em f7. Que fiz, satisfeito. Bom, na verdade, não fiz :) Na minha cabeça aquilo era um táctico para ganhar um peão, não um sacrifício de uma peça! Mas vejamos que é melhor:


1. Txf7 Txf7 2. Txf7 e aqui espero Rxf7 para responder com Db7+ e recupero a Torre se o Rei voltar à linha 8 (se ele jogar Rg6, tenho que dar xeque em e4, porque se Dxc8, levo mate com De1. No entanto, o meu adversário joga 2. … Txc5, e o táctico para ganhar um peão passa a sacrifício de peça para perpétuo (há malta com sorte!) 3. dxc5 Rxf7 e agora era dar sempre xeque na diagonal a8-h1 para empatar. Mas, com apaxes há sempre um mas, apaxe que é apaxe tem sempre um olho no relógio e outro no escalpe, de maneira que depois de 4. Db7+ Rg8 5. Da8+ Rh7 6. De4+ g6 era muito difícil, em apuros, menos de 20 segundos para cada um, não tentar complicar e entrar em f6 com 7. Db7+ Rg8 8. Dc8+ Rf7 9. Rd7+ Rg8 10. Dd8+ Rf7 e com o espectacular 11. Df6+… fico com o jogo perdido! E não é que o ritmo tinha o incremento de dois segundos por lance? A coisa foi mais decida porque algures mais para a frente, quando deixo de ter xeques e evito o mate com Rf2, levo um ou dois xeques de Dama e depois um duplo de Cavalo e voilà!, sayonara Rainha e o jogo. Mas foi divertido.

Igualmente entretido, mas para quem estava de fora, foi o final da partida no primeiro tabuleiro - Luís Botelho vs João Pacheco -, um clássico atendendo ao número de troféus que cada um dos jogadores amealhou neste Festival (três primeiros lugares para o Pacheco, dois para o Botelho). Chega-se ao final e, eis se não quando, Rei+Torre vs Rei+Torre no tabuleiro. Botelho propõe empate, Pacheco joga, Botelho larga a Torre, Pacheco come, tic tac, tic tac, o mate chega, Botelho não gosta, Pacheco explica, o árbitro homologa o mate, indefere o pedido de atribuição de empate, e a quarta jornada começa sem a discussão entre os xadrezistas ter terminado. É o frisson do xadrez algarvio que eu haveria de experimentar, em muito menor medida, na jornada seguinte.

Sai o emparceiramento, sento-me na mesa, cumprimento informalmente a minha adversária que não estava para conversas. Nem ai nem ui, assim é o xadrez profissional (só no final soube que a minha adversária é uma ex-campeã distrital absoluta de Faro). Cumprimento da praxe numa mão inerte e eu, de pretas, no sexto lance de um Gambito Escocês, já estou de rastos. Perdão, Urges’apaxe não fica de rastos, rasteja, e rasteja de faca nos dentes, mesmo depois de jogar Be7 e levar com Db3 que significa um peão a menos e sem roque! Minudências para um Urges’apaxe!
A batalha prossegue, as brancas fazem roque pequeno e este vosso colega de tribo, ao toque que não há tempo a perder - nós queremos é escalpes! -, carrega com h5! O peão em h7 não queria avançar (só depois percebi porquê, quando o bispo branco foi para g6 e o mate em f7 só podia ser parado com um lance apenas – e mais material penhorado, claro), de maneira que, como o escocês do filme, não o do Gambito, me virei para ele, ainda no modo anglo-saxónico com que comuniquei com o meu adversário anterior e, qual William Wallace, disse-lhe:
“Aye, fight and you may die. Run, and you'll live... at least a while. And dying in you bed, many many years from now, would you be willin' to trade ALL the days, from this day to that, for one chance, just one chance, to come back here and tell our enemies that they may take our lives, but they'll never take... OUR...

E o peão lá foi para h5 a urrar, o Bispo para g6 e eu tive que jogar d5 para fechar a diagonal à Dama e “sacrificar” mais um peãozinho. Com o Rei à chuva (Onde? Como onde?? Na coluna F, claro!), sem roque e a perder dois peões, só havia um caminho: para cima deles e em força! Mas logo de seguida recebi um soco no estômago: não é que a minha adversária também avançou o peão de F! E duas casas! Os joelhos tremeram-me quando percebi que tinha outro samurai à minha frente… Mentira! Mas era uma boa imagem se assim tivesse sido. Bem pelo contrário, eu que tão habituado estou a perder devido às fragilidades que a abertura da casa f2 cria nas diagonais e1-h4 e g1-b7, comecei logo a magicar como aplicar aquele belo exercício desse livro mítico que é o “How to beat your dad at chess” (lembram-se, Josh, Cláudia e Quim?). Vai daí, foi reciclar a Dama para b6 e desenvolver as peças com o Cavalo de olhos postos em f2. Foi aqui que a minha adversária vacilou. No final, tentei discutir com ela a possibilidade de jogar outra coisa que não 19. Cc5, mas não consegui sequer chegar a aventar a hipótese de d6, com ideias de Cg5 e Df7, pois, como ela enfaticamente bem me apontou, estava perdido desde que joguei Be7. Um comum mortal provavelmente estava, mas ela teve azar, porque no Algarve ainda não sabem que Urges’apaxe tem muitas vidas, não tem só uma, e só está perdido depois de levar mate! :P
O Cavalo lá chegou a f2 com xeque e a minha adversária, honra seja feita a esta discípula do Bushido, o caminho do Guerreiro, preferiu sacrificar a qualidade a empatar por perpétuo, e com bom critério, diga-se, pois as Brancas continuavam em vantagem. Ainda assim, eu, ciente que mais vale uma qualidade na mão do que duas a voar, mesmo a jogar contra o par de Bispos numa posição extremamente aberta e sem peões para a troca, jogava para sobreviver mais uns lances, propondo a troca de Damas para diminuir o poder de fogo branco e acabar de uma vez por todas com as brincadeiras de pôr Dama e Bispo na mesma diagonal a apontar para o meu monarca à chuva. Como a minha oponente recusou a troca de Damas, dei mais um discurso à Mel Gibson às minhas peças e foram as Torres para as colunas abertas e o peão de H ainda mais para a frente, a ver se o barrete surgia. Quando os elementos ficaram alinhados com o Universo, Kabum!, mais um sacrifício, agora de qualidade, para acabar com as ameaças, e o peão para h3 que já cheirava a sangue e as brancas estavam a soro. Quando foram elas a propor a troca de Damas já era tarde, caiu um mate do céu, começado na oitava, que quando o Rei branco deu conta, já os relógios estavam parados. Piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii, e as brancas sem ritmo cardíaco. Foi assim:

Finalmente, na última ronda, joguei contra o Falk Stephan, o outro jogador do GD Relíquias. Abreviando razões que isto já vai longo, é claro que abri com o peão de F, é claro que sacrifiquei um Cavalo no roque e é claro que correu mal! Fui com demasiada sede – e poucas peças! – ao pote, ele defendeu-se e quando dei por mim já o meu adversário tinha recuperado do atraso no desenvolvimento, apontado o par de bispos ao meu coração e com dois ou três tácticos seguidos deu-me uma tareia das antigas. Até fiquei zonzo!

O torneio terminou com a vitória do João Pacheco da mais recente equipa de xadrez da segunda circular (epá, eu gostava de não ser assim, mas só escrevo Benfica para dizer que os vi levar 5 no Dragão… desculpem lá, Tito, Marlene e Elisa! :P) e eu, pelo meu brilhante desempenho, tive direito… a uma boleia do campeão até à praça de táxis!

Se os colegas de tribo me perdoarem o desempenho, para a próxima tento fazer melhor. Mas não garanto que não é tarefa fácil! Um abraço a todos, com saudades! E boas festas!
Ps: Parece que o torneio teve direito a visita vip. Foi ao local do jogo o Presidente da Câmara Municipal de Faro, mas a visita escapou-se-me porque fui beber café enquanto ganhava por falta de comparência. Uma canseira esse ponto! Tanto mais que o outro foi ganho da maneira que viram… só mesmo por ser Natal! ;)

5 comentários:

Alex disse...

Excelente torneio, Tiago! Lembra-me uma final do Distrital que joguei há uns anos em que decidi sacrificar uma peça em cada jogo. Quase consegui! Mas sem o brilho destes jogos, como é óbvio. Avisa quando vieres cá acima que eu quero umas aulas de sacrifícios.

tiago pinho disse...

Este brilho é baço ;) tem que se organizar um torneio interno com um novo sistema de pontuação - quem ganhar a partida sem sacrificar, só ganha meio ponto!

*

Já agora, aproveito para fazer uma adenda ao post: cá em cima, da mesma massa que o Jorge Viterbo e o Luís Silva, há outro: o André Ventura Sousa, do GX Porto.

Anónimo disse...

Excelente post. Dá gosto ler. Quanto ao torneio dos sacrifícios, parece-me muito boa ideia. O Orphe é que costuma ser um ás nisso!

Vítor

Paulo Topa disse...

Tiago, tens de ir para comentador na televisão. Com comentários destes, o xadrez passa a ter mais audiência que o futebol. Fico contente por saber de ti.

Joaquim Machado disse...

Depois de lido e relido este “post”, solicitei à direcção dos Amigos, uma reunião com carater de urgencia de forma a tomar já algumas medidas que visem anular qualquer tentativa de “fuga” ou de “rapto” do Tiago

Assim irei propor;

1º enviarmos de imediato a conta não vá “o diabo tecê-las”…

2º aumentarmos a remuneração auferida pelo Tiago no clube para o dobro, e jogos ao sábado ou domingo triplicam a mesma.

3º iniciar de imediato o processo de aquisição de uma viatura, com sistema gps e respetivo motorista, não queremos os nosso atletas por aí perdidos, ou em táxis de “caráter duvidoso”. já, já, enviar por correio um mapa das estradas de Portugal (daqueles em papel que se desdobram e nunca mais acabam)

4º dar os parabéns ao Tiago pela pontualidade, e propor ao Grupo uma acção de formação sobre este tema…

por fim e quanto aos “sacrificios”... o Tiago não joga mais comigo